Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Dalton Luiz de Paula Ramos é professor titular de Bioética da USP - Faculdade de Odontologia, membro da Comissão de Bioética da CNBB e da Pontifícia Academia para a Vida do Vaticano e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Assistimos, estarrecidos, o noticiário dos recentes acontecimentos
em Minas Gerais, quando o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, quase que
inteiramente submerge num mar de lama e detritos, matando e sepultando pessoas, destruindo o meio ambiente. Não foi
um desastre que se possa atribuir apenas às forças da natureza, como um furacão
ou terremoto. Houve um pequeno tremor de terra antes do rompimento das
barragens, mas, teoricamente, uma barragem de tal envergadura deve ser segura
em relação a acidentes até de grande magnitude.
Uma mineradora que processa minérios e produz resíduos e uma
barragem que se constrói para armazena-los usam ciência e técnica, frutos do
gênio humano. Mas não é a tecnologia em si que é ruim; é seu uso errado que
gera a destruição. No caso, um uso imprudente, que não quis arcar com os custos
trazidos pelas medidas de segurança. Como nos lembra Papa Francisco na Laudato
si': "A tecnociência, bem orientada, pode produzir coisas
realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano, desde os
objetos de uso doméstico até aos grandes meios de transporte, pontes,
edifícios, espaços públicos" (nº 103). A ciência e a tecnologia; tem valor,
mas até que ponto isso pode
favorecer o desenvolvimento e a protecão da vida e quando isso passa a ser
ferramenta de destruicão?
A construção malfeita de uma barragem e/ou com sua má conservação,
ou mesmo não se empregar todos os recursos tecnológicos conhecidos para se
processar seus resíduos (o que evitaria que se acumulassem em grandes volumes e
reduziria o risco ambiental) representam um mal-uso da tecnologia, por
negligência ou omissão. Se isso acontece é porque o interesse que está em jogo,
o objetivo primeiro e último da tecnologia, não são a proteção de cada pessoa
humana, do bem comum e mesmo do meio ambiente, mas sim os interesses de determinados
grupos econômicos e de poder que visam o lucro.
E quem mais sofre com as consequências desses atos? Frequentemente
os mais pobres. Não necessariamente porque a enxurrada de lama e detritos vai
destruir só suas casas, mas porque estes terão menos recursos para reconstruir
o que foi destruído e menos chances de fazer valer seus direitos, como por
exemplo pleiteando justas e rápidas indenizações.
Nesse sentido clama Papa Francisco, na Laudato si': “A falta de preocupação por medir os danos à natureza
e o impacto ambiental das decisões é apenas o reflexo evidente do desinteresse
em reconhecer a mensagem que a natureza traz inscrita nas suas próprias
estruturas. Quando, na própria realidade, não se reconhece a importância de um
pobre, de um embrião humano, de uma pessoa com deficiência - só para dar alguns
exemplos -, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza. Tudo
está interligado"(nº 117).
Como tudo na vida social, a extração dos bens que a natureza
nos oferece, na mineração e outras atividades afins, deve partir do
reconhecimento do valor e dignidade de cada vida humana que possa estar
envolvida. Isso implica em procurar causar um mínimo de agressões ao ambiente, construir
instalações seguras, elaborar e implementar planos emergenciais frente a eventuais
acidentes, etc. Este deve ser o objetivo do uso de qualquer recurso
tecnológico; precisamos nos reeducar nesse olhar voltado para a pessoa e para a
vida humana. Do contrário veremos outros rios de lama.
Jornal "O São Paulo", edição 3079, 25 de novembro
a 1º de dezembro de 2015.