Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.
O cientista político alemão Ernst-Wolfgang Böckenförde avança
um dilema das democracias: o Estado livre e democrático requer pressupostos que
ele mesmo não tem condições de garantir. Pressupõe cidadãos e uma sociedade que
cultivem valores livres e democráticos, mas não pode forçá-los a isso. O mesmo
vale para atitudes éticas, plurais, inclusivas…
O momento que o Brasil atravessa hoje retrata esse dilema.
Em tese, nossas instituições são sólidas e funcionam. Mas a atual crise não é apenas
a conjunção de fatores políticos, econômicos e éticos desfavoráveis; é também o
esgotamento de um modelo que não mais dá conta da sociedade do século XXI em
toda a sua globalidade.
As instituições por si só não garantem “um Estado democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias” – como reza o Preâmbulo da
Constituição. Não garantem os direitos básicos dos cidadãos, nem as necessárias
reformas – que se protraem há governos e legislaturas –, nem tampouco a
inclusão das minorias e das diversidades na trama social, ou o desenvolvimento
justo e sustentável…
Uma nação assim – pela qual gerações inteiras lutaram e
muitos pagaram o preço da liberdade ou da vida – pressupõe o compromisso do
conjunto dos atores políticos. Não é projeto a ser confiado a um único grupo
político, ainda que legitimamente eleito. Contudo, há uma barreira – ao lado de
outras – ao envolvimento de todos no desenho do “Brasil que queremos”. Nossa cultura
ocidental moderna desenvolveu um modo de pensar dualista. Vemos o mundo em
binômios antagônicos e excludentes (conservadorismo-progressismo, situação-oposição,
direita-esquerda…; para alguns, até mesmo igualdade-liberdade). Isso impregna
nosso presidencialismo de coalizão, a dinâmica do legislativo, os movimentos
populares. E tudo é filtrado, talvez pela forte impregnação moralista que nos
acomete, pelo binômio certo-errado. A visão divergente é considerada errada e,
portanto, passível de rejeição e desprezo (não só a visão; também quem vê
assim…). Há setores bem intencionados – cristãos inclusive – que assumiram como
bandeira combater ideias que não compartilham, reconhecendo nelas uma
conspiração de agentes do mal.
Chiara Lubich sugeria que na política se aplicasse um
princípio que parafraseia o Mandamento Novo de Jesus: amar o partido do outro
como o próprio. O que parece um aforismo ingênuo e inaplicável, na verdade,
implica a atitude de levar a sério as várias linhas políticas (ou econômicas,
ou filosóficas, ou sociais, ou religiosas), reconhecendo que todas se revestem
de importância, são possuidoras de verdades e valores e têm algo a contribuir. Significa
saber que o verdadeiro, o bom e o belo para uma sociedade se descobrem
conjuntamente, mediante a humildade e a admissão das próprias insuficiências, a
sincera capacidade de diálogo, a escuta desarmada, o reconhecimento de intentos
comuns.
É o primeiro passo para a árdua e desafiadora operação de
articular as forças plurais da sociedade na construção de um projeto de País
segundo um princípio de fraternidade, com a perspectiva de dar formas concretas
ao bem comum.
Jornal "O São Paulo", edição 3078, 18 a 24 de
novembro de 2015.
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