Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
São Paulo completa 462 anos. É tempo de repensar os desafios
da Igreja na cidade. A sua origem cristã e católica não pode ser esquecida. Recordamos
o nascimento da antiga vila no Pátio do Colégio, onde os padres jesuítas, em especial
Anchieta, iniciaram, sob o patrocínio do apóstolo Paulo, a que seria a
metrópole atual.
São Paulo cidade da riqueza e pobreza extremas. O pastoreio
da Igreja católica acompanhou o seu crescimento econômico gigantesco, mas
também vivenciou a complexidade que nos defrontamos pela quantidade imensa de
cortiços, favelas, periferias sem água e esgoto e inúmeras situações violadoras
da dignidade humana. O sábio da antiguidade, São João Crisóstomo, alertava que
“não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes
a vida”. Outro sábio, da atualidade, o Papa Francisco na Evangelii Gaudium (EG) alerta que “o ser humano é considerado, em
si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Devemos
dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social”.
A Igreja em São Paulo sofreu ao lado da população e passou
pelos anos da tortura e da violação dos direitos humanos durante a ditadura
militar (inclusive censura ao jornal O
São Paulo, rádio 9 de julho, invasão da PUC). Viu aumentar a miséria da
população de rua e dos excluídos.
Diante de tantos desafios, a Igreja intensificou o seu
trabalho de evangelização e anúncio misericordioso de Deus, e seu compromisso
com a transformação social, a defesa dos direitos de todos e o diálogo ecumênico
e inter-religioso. A Igreja, escrevia João Paulo II, “vive uma vida autêntica
quando professa e proclama a misericórdia” (Dives
in misericordia). E “sem misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de
inserir-nos em um mundo de feridos, que têm necessidade de compreensão, de
perdão, de amor” (Francisco, Discurso ao Episcopado Brasileiro na Jornada
Mundial da Juventude, 2013).
Neste quadro desafiador está mergulhada a evangelização que
se empreendeu especialmente a partir dos anos 70. O primeiro deles foi à linha
de organização popular para que a população se tornasse de fato sujeito que decide
o ser presente e futuro da organização da cidade. As prioridades dos Planos de
Pastoral em favor das periferias, no mundo do trabalho, dos direitos humanos,
das comunidades populares, foram fatores de encarnação do catolicismo dentro do
movimento popular emergente. Esta inserção da Igreja na vida da população
fizeram com que se tornasse lugar de expressão e busca da maior liberdade,
símbolo de esperança e lugar de encontro, de unidade de várias forças dispersas
e antes desconhecidas.
A tonalidade da evangelização em favor dos empobrecidos e em
favor de um projeto humano, orientado pela realidade da justiça de Deus, se
fez, se faz e se fará através de uma obra evangelizadora, por um ponto de
humanidade e de convergência que se adquiriu da própria experiência. O
catolicismo quer contar ainda mais com todos aqueles que vivem nesta megalópole
(independente de credo, de etnia, de língua, de orientação sexual) e que desejam
construir aqui os sinais concretos da vida através da justiça, do direito, da
solidariedade, da fraternidade e da paz. Nesta festa da cidade de São Paulo no
ano jubilar da misericórdia se faz urgente abrir a Porta da misericórdia do
nosso coração para acolher e dar nova perspectiva de vida digna a imensidão dos
excluídos desta cidade. “Não deixemos que nos roubem a esperança” (Francisco,
EG), pois de esperança em esperança se constrói os sinais do Reino de Deus.
Jornal "O São Paulo", edição 3085, 20 a 27 de
janeiro de 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário