Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
A proposta do Poder Executivo para a reforma da previdência
é de grande relevância: alterar o regime de seguridade social construído a
duras penas ao longo da história do Brasil, reduzindo o direito ao mínimo bem-estar
que o Estado até então garantiu. A polêmica sobre o tema está
compreensivelmente acirrada. A ciência econômica pode ajudar a compreender o
debate.
A ciência econômica não é um amontoado de números que produz
leis inexoráveis. Ao contrário, é um conhecimento cuja serventia é ensinar como
aumentar o bem-estar e respeito à liberdade das pessoas. Ciência alguma é
sinônimo de verdade inquestionável, os cientistas, em quaisquer áreas do
conhecimento, têm poucas certezas e muitas, muitas dúvidas. Não é diferente no
campo da ciência econômica. Expressões como racionalidade, equilíbrio, eficácia
e leis econômicas só têm sentido na perspectiva da justiça social.
A proposta do Poder Executivo para a reforma da previdência
pode ser resumida em dificultar o acesso e reduzir o valor do benefício do
contribuinte. O governo do Presidente Temer alega que o “remédio amargo” é
inevitável, única forma de reduzir o déficit atual e garantir às futuras
gerações o recebimento da aposentadoria. Muitas outras vozes já contestaram e
continuam contestando a afirmação governamental. Vozes favoráveis e contrárias
usam argumentos quantitativos. Compreensível, os números têm curiosa aderência
no imaginário popular, quaisquer que sejam, saiam de onde sair as pessoas
tendem a acreditar na tolice que “os números não mentem jamais”.
Para além dos números (déficit ou não déficit, menos
trabalhadores para mais inativos, etc.) há que se pensar nas consequências da
proposta do Executivo para uma parcela vulnerável da população, a maioria dos
aposentados, e entre esses, ainda mais vulneráveis, os trabalhadores rurais, as
mulheres com dupla ou tripla jornada de trabalho, os brasileiros das regiões
mais pobres nas quais a expectativa média de vida é menor.
Que tipo de solução a proposta do Governo Temer encaminha?
Qual seu critério de justiça? Se a proposta for aprovada pelo Legislativo, a
dificuldade no acesso e a redução do benefício deve provocar maior procura
pelos planos de previdência privadas – apenas pelos trabalhadores de maior
renda, é claro. Os bancos e suas seguradoras seriam beneficiados pelo aumento
de demanda. E os trabalhadores, particularmente os mais pobres e as mulheres,
que terão pago o custo do ajuste, o que receberiam em troca do sacrifício? Se
não é aos mais vulneráveis, a quem serve, afinal, a “nova” previdência?
Que não se atribua à ciência econômica (a supostos critérios
“técnicos” inquestionáveis) a justificativa para a proposta do Executivo de
reforma previdenciária – o conhecimento em economia, ao contrário, recomenda a
promoção do bem-estar e da justiça sociais. Recursos para reduzir déficit (de
magnitude controversa) podem vir de muitas fontes e da redução de outras
despesas, como os gastos com os juros que remuneram a dívida pública. Que o
Executivo e o Legislativo não se eximam da responsabilidade de escolhas que
desconsiderem o princípio de justiça.
Jornal "O São Paulo", edição 3147, 19 a 25 de
abril de 2017.
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