quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A esperança do Natal em meio à crise

Editorial do jornal O São Paulo, ed. 3082, de 17 de dezembro de 2015 a 5 de janeiro de 2016.


Num momento de crise econômica, política e social, como este atual, nossa mentalidade consumista e cética tende a pensar este Natal como aquele “de poucos presentes”. Ou reduzi-lo a um momento de esquecimento, de alegria e celebração, onde não lembramos dos problemas que voltarão quando a festa acabar.
Mas o Natal, inclusive o da crise, é uma festa de esperança, onde celebramos o fato de que Cristo nos “primereia”, no neologismo do Papa Francisco.  Ele vem primeiro, vem em nosso auxílio sem que tivéssemos feito algo para merecê-lo.
J.R.R. Tolkien escreveu que as coisas de Deus são sempre surpreendentes e imprevistas, ainda que tenhamos passado toda a nossa vida ansiando por elas. Cristo nos “primereia”, toma a iniciativa, vem ao nosso encontro, e nós, mesmo que sempre tenhamos desejado isto, nos surpreendemos cativados.
A celebração do Natal não é só do menino-Deus que nasceu na manjedoura há séculos. É a celebração daquele primeiro encontro feito por cada cristão em sua caminhada na fé, que cada um de nós recorda com gratidão e ternura.
Todos nós, num dia, numa ocasião específica, encontramos Cristo em nossa vida. Geralmente foram ocasiões que pareciam banais. Outros pensariam em autossugestão, “coincidências” ou frutos do nosso trabalho e inteligência. Mas nós sabemos que não foi nada disso, que sugestões e coincidências não explicam aquela ocasião, que nossas capacidades não poderiam criar aqueles resultados.
Foi Ele que quis se manifestar em nossa vida, que “primereiou”, tomou a iniciativa e veio até nós. A cada Natal somos convidados a lembrar não só o nascimento de Belém, mas também este que aconteceu e continua acontecendo em nossa vida.
A esperança cristã não vem de nossas forças. Pelo contrário, é ela que nos dá forças. Uma esperança que nasce porque Deus vem até nós, realmente nos ajuda quando precisamos.
A celebração natalina será um gesto nostálgico ou escapista, uma simpática ilusão, se não nos lançarmos na realidade a partir desta esperança. Por isso, a crise não é um obstáculo para a festa, mas uma oportunidade de nos reencontrarmos com a razão de nossa esperança.
É um caminho de solidariedade, partilha e dedicação ao outro.  O encontro com Cristo não é um tesouro que pode ser acumulado. Guardado, se corrompe e perde seu valor. Distribuído, empenhado na construção do bem, se multiplica e mostra todo o seu valor.

O Natal da crise não é aquele de poucos presentes. É o Natal onde o verdadeiro Presente pode se tornar ainda mais presente. Basta nos entregarmos com confiança à esperança que nasce do encontro com Cristo, vivendo-a na solidariedade com os que estão nas “periferias da existência”.

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